
@mafessantoss
Para este artigo estarei optando por utilizar múltiplas traduções do termo de Mark Fisher “hauntology”. As traduções utilizadas serão “assombrologia”, “rondologia”,”fantologia” “espectrologia” e também alternarei com o próprio termo em inglês “hauntology”. Acredito que seja a melhor forma de transliteração para o termo.
Ruído Branco o novo filme de Noah Baumbach, adaptado do romance de mesmo nome do autor Don DeLillo é uma das obras mais curiosas do ano passado, uma adaptação retroativa de uma novela pós moderna (“movimento” literário) onde o filme já procura comentar nos “meta” comentários do livro.
A dramatização da vida da família nuclear americana dos anos 80, com a intenção de superdimensionar conflitos ordinários do personagens, por mais excêntricos que sejam, comuns.
A visão retroativa de Baumbach é o claro chamariz do filme e um tema visto nas produções Netflix já à alguns anos, mas como e por que adaptar “Ruído Branco” agora? Acredito que, por mais que Noah Baumbach não perceba, ele escreve um dos exemplos mais claros de espectrologia do cinema recente.
Assombrologia é um dos conceitos culturais mais aplicáveis para esse tipo de fenômeno, assim como o retrofuturismo e outras estéticas modernas as quais buscam o passado como referência. A hantologie (hauntology/rondologia) de Derrida é muito mais complexa do que apenas retorno ou persistência de um passado sociocultural, e sim o entendimento do presente apenas através de comparações com o passado e antecipando o futuro.
Derrida e rondologia é um projeto filosófico essencialmente binário, desde de sua concepção fonética/escrita. Hantologie o neologismo de Derrida o qual junta as palavras “hante” rondar/assombrar e “ontologie”, os estudos do ser, existência, realidade. Demonstrando sua própria teoria pela forma fonética/escrita. uma experiência espectral na própria palavra, a binariedade onde hantologie e ontologie tem a mesma pronúncia (com alguns tradutores para o português tentando salvar essa característica da palavra pelo uso da transliteração “rondologia”)
Ruído Branco corporifica conceitos primordiais da assombrologia de Fisher, os da origens perdidas (lost origins) e futuros cancelados (cancelled futures) ou futuros perdidos (lost futures).
A origem perdida de Baumbach de um anos oitenta limpos, os quais estão sendo destruídos pelos eventos catastróficos e hediondos vividos pelo personagem Jack Glaney (Adam Driver). Porém não apenas em conceitos, Noah busca reviver, ou melhor, é assombrado pela sua própria cinefilia.
O visível e afirmado pelo personagem Murray (Don Cheadle), professor de estudos de mídia, amor por clássicos do cinema americano. Também é visto em sua estrutura e texto (e sua presença mercadológica, como em seu trailer, imagens promocionais, etc) reproduzindo um “spielberguinismo”.
O spielberguinismo é demonstrado inicialmente através de escolhas adaptativas, onde o personagem Jack é tratado mais como um “average man” adentrando uma “aventura” do que o introspectivo e paranóico personagem do material fonte. Personagens crianças e suas reações para com os eventos “fantásticos” também fazem parte do DNA narrativo de Spielberg ou relacionamentos desfeitos os quais terminam melhor do que começaram. Todos possuem uma carga de paródia e de homenagem, assim como Frances Ha com a nouvelle vague e Histórias de Um Casamento com dramas de divórcio.
Paródias são intrinsecamente fantasmagóricas, assim como referências ou adaptações. O caráter espectral de Ruído Branco sempre esteve lá, sempre esteve no modo autoral de Noah Baumbach.
A Assombrologia de Mark Fisher também leva em conta os futuros perdidos. Para Fisher nós tentamos reviver antecipações do futuro ao voltar para concepções do próprio passado vindo do passado. Ruído Branco não passa de uma forma de utilizar uma estética oitentista para reviver os últimos anos.
A busca ou medo de um futuro, comuns na literatura da época e essencialmente presentes no romance de DeLillo, não estão mais lá. Não existe mais futuro, a única alternativa é o que vivemos agora. Ruído Branco é ainda mais deprimente do que Fisher descrevia. O filme de Noah Baumbach não é uma busca pelo passado como remakes, Stranger Things ou Blade Runner 2049 e sim o passado em busca do presente condenado.
Em O Inconsciente Perdido: “A Origem” de Christopher Nolan e em múltiplas aulas Mark Fisher gosta de utilizar Amnésia (2000) de Christopher Nolan como exemplo, em específico o protagonista da trama Lenny pela sua condição de amnésia anterógrada. Condição a qual torna o paciente incapaz de criar novas memórias. É possível comparar nosso modo cultural à amnésia de Lenny, incapaz de produzir novos futuros e comparar a “assinatura” de Baumbach, incapaz de produzir novos cinemas.